Ao momento em que toma contato, pela primeira vez, com a petição inicial, o magistrado pode ter, em relação a ela, uma das seguintes três atitudes: positiva, intermediária ou neutra e negativa. Essas atitudes, embora às vezes sejam exaradas com a roupagem de despacho, serão sempre, a rigor, decisões interlocutórias ou sentenças.
Atitude positiva – Nesse caso, atitude positiva, trata-se de decisão interlocutória porque o juiz examina os pressupostos processuais e as chamadas condições da ação, como eram apelidadas até antes do advento do CPC/15. De fato, o novo Código, apesar de não mais se referir a condições da ação, ainda trata de ilegitimidade e de falta de interesse como se fossem coisas estranhas ao mérito, lamentavelmente. Pois bem, se estiverem presentes esses pressupostos e condições, o magistrado permite que o processo desenvolva o seu curso normal e determina a citação da parte. Tem sido dito que esse ato é mero ato de impulso processual e que, portanto, cabe no conceito de despacho. Não nos parece correto. A uma porque a deliberação sobre a presença dos pressupostos processuais e das “condições da ação” implica forte carga decisória. A duas porque o ato da citação, por si só, já pode gerar dano à parte, como ocorre, por exemplo, com a citação de que cogita o artigo 829 do CPC, que já contém o chamamento para pagamento com subsequente e imediata penhora de bens. É evidente, pois, a aptidão do ato processual para gerar dano ao citando e é justamente essa aptidão que é capaz de distinguir a decisão interlocutória dos meros despachos.
O que ocorre – e tem permitido que a confusão não seja esclarecida – é que o código de Processo Civil estabeleceu ser cabível recurso de agravo de instrumento contra certas decisões interlocutórias elencadas no seu art. 1.015 e, também, em outras normas esparsas. Como, no caso desse específico ato que determina citação, a jurisprudência tendeu (tal como ocorria durante a vigência do CPC de 1973) para a não admissão do indigitado recurso, a doutrina adesista passou a entender que se trata de mero despacho. Ora, da premissa não decorre a conclusão. De fato, há de ser compreendido que o não-cabimento, na hipótese, do recurso de agravo (mais do que em decorrência da sua não inclusão nos incisos do art. 1.015), decorre do fato de que esse ato do juiz não gera preclusão, dado que, por força do artigo 336 do Código de Processo Civil, o réu pode agitar todas as defesas que tiver e o juiz deverá apreciá-las no momento próprio. Assim, antes de apresentar a defesa de mérito, o réu pode afirmar que não estão presentes os pressupostos processuais e alegar as questões relativas à legitimidade e ao interesse. É justamente a possibilidade de defender-se na contestação e de, nela, atacar até mesmo o ato que determinou a citação, que faz com que, na generalidade dos casos, não caiba recurso dessa decisão, por falta de interesse de recorrer. Dizendo de outro modo, somente haveria interesse de recorrer se houvesse possibilidade de ocorrer preclusão quanto às matérias pressupostas no ato citatório.
Assim, se o juiz determina (i) a realização da audiência de conciliação ou mediação; ou (ii) a citação, então, está implícito que considera presentes os pressupostos processuais e as condições da ação até melhor análise. Se essa é a conduta, dizemos que nos defrontamos com uma atitude positiva. Será o réu citado ou para participar da audiência antes referida, ou para contestar, com a advertência de que, se não o fizer, como consectário da revelia, serão presumidos verdadeiros os fatos narrados pelo autor, na forma do disposto no art. 344 do CPC/15.
Atitude intermediária – Se, entretanto, a petição inicial contiver imperfeições capazes de, no futuro, prejudicar o desenvolvimento do processo ou dificultar o julgamento do mérito, porque, por exemplo, não atendidos os ditames dos arts. 319, 320 e 106 do CPC, o juiz deverá tomar uma atitude neutra, ao examiná-la, e mandar que a parte emende ou complete a petição inicial, no prazo de quinze dias, nos dois primeiros casos, e de cinco dias, no terceiro caso (se o advogado postular em causa própria), sob pena de indeferimento.
Atitude negativa – Por outro lado, a atitude negativa do juiz significa indeferimento da inicial, matéria regida pelo art. 330 do CPC em vigor. Nessas hipóteses de indeferimento da inicial, e do ponto de vista estritamente teórico, a sentença de indeferimento deveria possuir conteúdo meramente processual. Em outras palavras, a lógica do sistema processual conduz ao raciocínio de que sentenças de indeferimento da inicial não podem examinar o mérito da pretensão. E assim é porque o legislador processual cuidou de duas distintas figuras: (i) indeferimento da petição inicial; e (ii) da improcedência liminar do pedido (a improcedência liminar será objeto de artigo específico). Cabe o registro de que o novo Código, ao adotar essas duas diferentes figuras, caminhou com maior qualidade em relação do Código revogado, que somente tratava, em epígrafe própria, do indeferimento da petição inicial. Da improcedência liminar somente cuidou, parcialmente, após 2006, com a inserção do art. 285-A que regulou uma das possibilidades de improcedência sem que houvesse necessidade de citação do réu.
Ver-se-á, porém, que o direito positivo brasileiro atual arredou-se do próprio critério que estabeleceu, porquanto o dispositivo que cuida do indeferimento da inicial contém, também, hipóteses de improcedência prima facie, ou seja, de improcedência liminar do pedido. Com efeito, os incisos II e iii do artigo 330 cuidam de questões que são essencialmente de mérito, mas que podem ser deliberada initio litis, sem sequer haver necessidade de citação do réu. Tal é assim a questão pertinente à ilegitimidade de parte, que não é, pelo menos do ponto de vista da lógica (embora o seja se considerarmos apenas o jus positum), matéria de natureza processual.
Dizendo de outra forma, da análise dos diversos fragmentos do art. 330 do CPC, conclui-se que pode ou não haver exame de mérito, conforme a hipótese que esteja sendo examinada. Haverá, então, ou uma sentença meramente processual, ou uma sentença de mérito. Convém deixar claro, desde logo, que, da decisão que indefere a inicial, haja ou não julgamento de mérito, o recurso cabível será o de apelação, ressalvadas algumas excepcionais situações, que podem ensejar o aviamento, por exemplo, do recurso ordinário.
Há, porém, antes de aprofundar o exame das hipóteses de indeferimento, a necessidade de conciliar duas incidências possíveis. Tomando uma atitude positiva, o magistrado mandar citar o réu. Este, ao contestar, demonstra um defeito insanável da petição inicial, que, se tivesse sido percebido pelo julgador, teria implicado a adoção de uma conduta negativa. O que fazer? O magistrado pode reconhecer o erro e corrigir-se, com deliberação que impeça a continuidade do processo. Tratar-se-á, porém, de outra figura, diversa da que prevista no art. 330, embora com os mesmos efeitos. Não se dirá indeferimento da inicial e, sim, extinção do processo sem julgamento de mérito, por qualquer outra causa que não aquele de que cogita o artigo ora examinado.
Hipóteses de indeferimento. Inépcia – O indeferimento da inicial com base no inciso I do art. 330 tem como causa qualquer uma das hipóteses de inépcia, que vêm elencadas no § 1º do mesmo artigo.
A petição é inepta quando contém vícios relativos ao libelo, isto é, relativos ao pedido ou à causa de pedir (artigo 319, inc. III e IV), quais sejam: a inicial não possui pedido ou causa de pedir; o pedido é indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão; ou a inicial contém pedidos incompatíveis entre si.
Se lhe falta pedido, o Estado-Juiz está impedido de acionar os mecanismos próprios da jurisdição. Com efeito, o artigo 2º do CPC dispõe que o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei; e o art. 141 preceitua que o juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte. Esses fragmentos legais firmam a convicção de que vigora, no direito brasileiro, o princípio da disponibilidade da demanda, não sendo possível ao magistrado (i) saber qual o bem da vida que o autor pretende obter por meio da intervenção estatal; (ii) substituir-se ao autor para o fim de suprir a omissão e formular pedido em seu lugar. Ora, se assim é, não havendo pedido formulado, impossível ao magistrado acatar a petição inicial a que falte uma de suas partes fundamentais, o pedido. Aliás, petição sem pedido constitui uma contradição essencial.
O mesmo deve ser dito em relação à ausência de causa petendi. O Direito Processual Civil brasileiro não admite que um eventual sujeito de direitos venha a juízo formular pedido sem indicar quais as razões jurídicas que o autorizam a tanto. É necessário que o autor indique, para que o pleito possua as mínimas condições de exame, o fato constitutivo de seu direito e, se for o caso, da obrigação do réu.
No que concerne ao inciso II do § 1º (novidade do CPC/15), convém acentuar que, para a doutrina prevalecente, formular pedido determinado é fazê-lo indicando o bem da vida da forma mais precisa possível, extremando-o de quaisquer outros. Formular pedido certo é formular pedido que não deixa margem a dúvida quanto ao que se pretende, seja em termos de qualidade, seja em termos de extensão, seja em termos de quantidade. Em resumo, dessa conjugação, ter-se-á que o autor pediu o bem mais específico possível, com a qualidade X, na extensão Y, na quantidade Z, eliminado, assim, a confusão com qualquer outro bem.
Por oposição, pedido indeterminado ou genérico é o que não atende a essa especificação, impedindo o órgão do Judiciário de aferir a qualidade da pretensão exercida. Se o autor formulou pedido genérico fora das hipóteses consentidas no § 1º do art. 134, será o caso de indeferimento da petição inicial.
A hipótese prevista no inciso III, do mesmo parágrafo, dispõe sobre a inépcia da petição inicial naquelas situações em que da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão. A questão que se coloca nesse dispositivo tem pertinência com uma espécie de congruência endógena da petição inicial. O discurso desse ato processual assume forma de silogismo no qual o autor apresenta (a) os fatos, premissa menor, (b) a regra jurídica que deve incidir no caso concreto, premissa maior, e (c) o pedido, ou seja, a conclusão, que tem de ser compatível com a subsunção de uma premissa na outra. Se não há essa compatibilidade lógica, o magistrado não tem como determinar o prosseguimento do feito, porque, a rigor, ocorre de uma de duas coisas: (i) ou pedido sem a correspondente causa petendi; ou (ii) causa de pedir sem pedido, hipóteses já mencionadas no inciso I do mesmo parágrafo.
A última hipótese de inépcia consiste no fato de a petição inicial apresentar pedidos que são incompatíveis entre si. Cabe um registro importante a esse respeito. A incompatibilidade de pedidos de que aqui se cuida é somente a que decorre da chamada cumulação própria. Dizendo de outra forma, se se tratar de cumulação imprópria, seja alternativa, seja subsidiária, não haverá inépcia da inicial por incompatibilidade de pedidos. O raciocínio da doutrina é claro quanto ao tema: ocorre inépcia da inicial que contém pedidos incompatíveis entre si na cumulação simples, porque o autor formulou dois pedidos, quer obter provimento em relação aos dois pedidos, mas a simples leitura da petição permite verificar que o acolhimento de um deles implica a automática frustração, exclusão, do outro. Por exemplo, o autor pede a anulação de um testamento e, também, que lhe seja entregue um legado, decorrente do próprio testamento que quer ver anulado. Há evidente incompatibilidade absoluta entre esses dois pedidos. Diversamente ocorre com relação à cumulação imprópria. Nesse caso, apesar de o autor haver formulado mais de um pedido, sua pretensão é obter apenas um deles; então, a questão da incompatibilidade entre pedidos não se põe.
Hipóteses de indeferimento – ilegitimidade e ausência de interesse processual. Além das hipóteses de inépcia, cabe indeferir a petição inicial quando o autor ou o réu for parte manifestamente ilegítima, ou carecer de interesse processual (incisos II e III do artigo 330), porque não preenche, nas duas hipóteses, as antigamente chamadas condições da ação.
Na história da doutrina do Processo Civil, legitimidade sempre esteve ligada, mais bem dizendo, sempre fez parte do mérito da causa. Nesse sentido, CHIOVENDA era enfático ao vincular a legitimidade ao direito material. Somente em breves momentos, com LIEBMAN e ALLORIO, houve tentativa de separar a legitimidade do mérito, com a chamada teoria eclética da ação, que nunca conseguiu forrar-se à crítica de um exame lógico.
Deveras, bem percebidas as coisas, de acordo com as conveniências da doutrina eclética, num determinado momento processual o exame das condições da ação (legitimidade e interesse) seria um filtro anterior ao exame do mérito. Se ultrapassado esse momento – e porque o réu colocou em debate justamente a higidez da legitimidade ou do interesse -, a deliberação do juiz a esse respeito passa a ser de mérito, numa espécie de superação da dúvida Hamletiana: as condições da ação podem ser e não ser ao mesmo tempo. Com o habitual respeito aos que defendem a teoria da asserção, argumentos desse jaez não fazem mercê à pretendida cientificidade do direito.
Noutra vertente do exame das condições da ação, BEDAQUE assevera que:
[…] as condições da ação representam legítima limitação ao exercício da atividade jurisdicional no caso concreto, porque o processo iniciado sem a presença de uma delas é manifestamente inútil. Circunstâncias do próprio direito material revelam existir algum óbice a que a tutela jurisdicional seja concedida ao autor.
O negrito acrescentado à citação identifica o ponto de contato entre o que sustentamos e o defendido por BEDAQUE. Entretanto, a conclusão a que chega esse doutrinador, adotando o mesmo ponto de partida de que nos valemos, é diametralmente diferente da nossa. Diz ele: “Embora o reconhecimento desse impedimento dependa de exame da relação jurídica substancial, não se verifica o julgamento do mérito, pois não há solução da crise de direito material. O objeto do processo permanece intocado, inexistindo solução para a lide.”
A enfática crítica que SATTA fez a ALLORIO basta para responder também a esse ponto de vista.Quem aciona, e só porque o faz, firma sua própria qualidade, quer dizer, postula certo de que o ordenamento jurídico reconhece e tutela o seu interesse reclamado através do juízo…
E uma vez que para agir ocorre o motivo interesse, eis que a legitimação se identifica com o próprio interesse, por essa razão vale acerca deste interesse. E tal é perfeitamente lógico, ao passo que o interesse não se pode conceber senão subjetivado, e não já existe numa abstrata objetividade…
De tudo quanto assinalamos procede que a decisão sobre a legitimação é sempre uma decisão de mérito, e negá-la equivale em contrariar o direito. Daí justamente a regra da legitimação ser dada pelo direito essencial e não pelo processual. (o destaque não estava no original)
Cabe aduzir, com relação à tese de BEDAQUE que, da premissa que o Autor fixou não decorre a conclusão a que chegou. Deveras, justamente porque o reconhecimento do impedimento depende do exame da relação jurídica substancial é que se verifica o julgamento de mérito. Essa é claramente uma hipótese de improcedência prima facie do pedido, como assinala CALMON DE PASSOS. E assim se dá porque nenhum fato narrado, ainda que provado, poderá dar ao autor o bem da vida vindicado. O Estado dá solução à lide, resolvendo-a em desfavor daquele que provocou a jurisdição.
Por tudo isso, do ponto de vista lógico, não é possível acolher a doutrina de LIEBMAN, cabendo registrar que é cada vez maior o número de doutrinadores que se alinham entre os que resistem a essa teoria: além dos de primeira hora, PONTES DE MIRANDA, CALMON DE PASSOS e OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA, a eles se juntaram, mais recentemente, ARAKEN DE ASSIS, ADROALDO FURTADO FABRÍCIO, FÁBIO GOMES e FREDIE DIDIER JUNIOR, entre outros.
Outras hipóteses de indeferimento – O § 2º do art. 330 dispõe que nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de, sob pena de inépcia, discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito. Esse dispositivo é cópia do art. 285-B do CPC/1973 (fruto do acrescentamento promovido pela lei 12.810, de 2013) e teve como objetivo fundamental corrigir situações forenses. Autores promoviam certo tipo de ações revisionais e requeriam antecipação de tutela para não pagar prestações de financiamento ou de contratos de alienação fiduciária. Jogavam com o tempo provocado pelo estrangulamento do Judiciário e passavam anos e anos usufruindo o bem sem remunerar o agente financeiro. Esse dispositivo divide de forma mais adequada os ônus do tempo processual. Continua sendo possível a propositura das demandas da espécie, mas impede-se a desoneração absoluta da obrigação mensal de pagar prestações contratadas.
Ademais das situações antes comentadas, há a regra do art. 106 do CPC, que determina ao advogado, quando postular em causa própria, que declare na petição inicial ou na contestação o endereço, seu número de inscrição na OAB e o nome da Sociedade de Advogados da qual participa, para o recebimento de intimações. Deverá, também, comunicar qualquer alteração de endereço que ocorra na fluência do processo.
Se da inicial não constar esse requisito, o juiz mandará suprir a falta no prazo de cinco dias, sob pena de indeferimento da inicial. Se não comunicar a mudança de endereço, presumem-se válidas as intimações enviadas ao endereço antigo, por força do que dispõe o art. 106, § 2º e artigo 274, parágrafo único CPC.
Além do cumprimento de todos esses requisitos, o artigo 320 determina que à petição inicial sejam juntados os documentos indispensáveis à propositura da ação. A doutrina assevera que, além desses documentos indispensáveis, também os documentos substanciais devem ser juntados com a inicial. É necessário fazer alguma investigação. Somente são indispensáveis aqueles documentos cuja eventual ausência possa ensejar a extinção do processo sem resolução do mérito com base no artigo 485, do Código de Processo Civil: são os documentos que constituem pressuposto da demanda. Os substanciais são aqueles assim considerados porque sem eles o ato material não existe. Ambos, para os fins do aviamento da petição inicial, devem ser considerados indispensáveis.
A esse respeito, preleciona CALMON DE PASSOS, que a indispensabilidade do documento
pode derivar da circunstância de que sem ele não há a pretensão deduzida em juízo. Isso porque ele é da substância do ato, ou dele deriva a especialidade do procedimento.
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Mas, ao lado de documentos dessa natureza, outros existem que não são da substância do ato jurídico, mas apenas em relação a ele, ou em relação aos fatos simples, têm força probante. Esses documentos não são indispensáveis para a prova do fundamento fático da demanda, que pode vir a ser aceito como verdadeiro pelo magistrado, com apoio em provas de outra natureza: testemunhal, pericial, indiciária, etc.
É dizer, documentos indispensáveis são aqueles ou que são pressupostos da ação (como na ação de divórcio, há de estar presente a certidão de casamento) ou os considerados ad solemnitatem, como, v.g., a prova da propriedade nas ações de domínio; não assim os ad probationem.
Esse entendimento é placitado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Com efeito, no julgamento da Apelação Cível nº 46.633 (ainda sob a égide do CPC/1973), a Quinta Turma Cível, relator o Desembargador WALDIR LEÔNCIO JÚNIOR, adotou-o, em acórdão assim ementado:
O autor não necessita juntar com a petição inicial todos os documentos relativos à prova dos fatos que alegou. Indispensável é apenas que instrua a inicial com os documentos fundamentais do pedido ajuizado. Inteligência do artigo 283 do CPC. Não sendo o caso de indeferimento da inicial com fulcro no artigo 284 do CPC porque os documentos necessários e os indispensáveis da propositura da demanda vieram com a inicial, cassa-se a sentença para que o processo siga em seus ulteriores termos.
Não discrepa o Superior Tribunal de Justiça
Somente os documentos tidos como pressupostos da causa é que devem acompanhar a inicial e a defesa… (RSTJ 14/359). Isto é: só os documentos indispensáveis (RSTJ 37/390)
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Não se tratando de documentos indispensáveis à propositura da ação, admite-se possam ser juntados fora da oportunidade prevista no artigo 276 [redação antiga] do CPC, desde que disso não resulte prejuízo para a defesa da outra parte (STJ 3a. Turma, Resp. 16. 957-SP, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU. 13.4.92, pag. 4.998), apud Theotônio Negrão, nota 1 ao artigo 397, 28º ed., pág. 316.
Se efetivamente tratar-se de documentos indispensáveis e esses não tiverem sido juntados à inicial, o magistrado deverá determinar que a parte a emende ou a complete no prazo de quinze dias sob pena de indeferimento.
Com relação aos documentos não indispensáveis (todos os outros que não caibam na conceituação antes expendida), se não tiverem sido juntados, certamente que não se poderá cogitar de indeferimento da petição inicial. Consequências da falta de juntada, se as houvesse, seriam de outra ordem. Poder-se-ia pensar em preclusão, mas a jurisprudência vem se firmando em sentido contrário. De fato, tem sido afirmado que os documentos ditos não indispensáveis podem ser juntados a qualquer tempo no processo, desde que ouvida a outra parte, e desde que não exista espírito de ocultação e tentativa de surpreender o juízo.
Em certas situações, não se tem o documento em mãos na hora da distribuição da petição inicial, ou porque o autor a ele não tem acesso, ou porque está em poder do réu, ou porque o documento é relativo a um fato superveniente. Em situações que tais, o direito haverá de dar solução específica. Na hipótese de fato superveniente, tanto o autor como o réu podem, posteriormente, requerer a juntada do documento. Se o documento estiver em alguma repartição pública, o juiz poderá requisitá-lo, na forma do artigo 438 do CPC. Se se encontrar em poder do réu ou terceiro, age-se na forma do artigo 396 e 401 do Código de Processo Civil, suscitando, respectivamente um incidente processual de exibição de documento ou um processo incidental de exibição de documento. O CPC/15 suprimiu a exibição de documento de forma autônoma, tal como previsto no art. 844 do CPC/193. Como, entretanto, a nova regência da produção antecipada de prova é muito mais elástica do que a anterior, nada impede a parte de valer-se desse instituto para fundamentar a propositura de uma exibição de documento com fundamento no art. 381 do Código de Processo Civil, de natureza preparatória, com o objetivo de obter documentos necessários para que depois se avie a ação principal.
Indeferimento liminar e primazia do mérito – Examinadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial de que trata o artigo 330, é necessário, agora, compatibilizar o dever do magistrado de pôr fim ao processo viciado, com aqueloutro, de determinar a emenda da inicial, versado no artigo 321, que impõe ao magistrado a asseguração do prazo de quinze dias para que o autor a emende ou complete, se esta não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320, ou apresenta defeitos ou irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito.
Na vigência do Código de 1973, a doutrina não se ajustava quanto ao ponto. Certos fragmentos do revogado art. 295 davam a impressão de autorizar diretamente o indeferimento liminar, enquanto outros impunham ao juiz o dever de intimar previamente a parte para proceder às correções de estilo. Cada doutrinador tinha seu rol de fragmentos. Agora, com o novo código, que tem como princípio a primazia do exame do mérito, parece-nos que sempre é necessária a conduta prévia do magistrado de abrir oportunidade à parte autora para que emende a inicial, indicando especificamente qual vício está a emperrar o seu processamento e acabando com aquele despacho esotérico: emende a inicial. E a parte que desse tratos à bola (de cristal!) para saber qual emenda era pretendida pelo julgador.
Bendito Código!
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1 Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. (Incluído pela Lei nº 11.277, de 2006).
2 Artigo 330. A petição inicial será indeferida quando:
I – for inepta;
II – a parte for manifestamente ilegítima
III – o autor carecer de interesse processual;
IV – não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321.
§ 1º. Considera-se inepta a petição inicial quando:
I – Ihe faltar pedido ou causa de pedir;
3 Nesse sentido, Calmon de Passos e Cássio Scarpinella Bueno. Em sentido diverso, Dinamarco, que troca um conceito pelo outro.
4 Art. 324. O pedido deve ser determinado.
§ 1º É lícito, porém, formular pedido genérico:
I – nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados;
II – quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato;
III – quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu.
§ 2º O disposto neste artigo aplica-se à reconvenção.
5 Instituições de Direito Processual Civil, vol. I. Trad. Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1998, pp. 89 e 93.
6 Tese muito acolhida por estas bandas.
7 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 235.
8 SATTA, Salvatore. Direito Processual Civil, trad. Luiz Autuori. 7ª. Edição. Rio de Janeiro: Borsoi, 1973, pp. 133, 170/171.
9 PASSOS, J.J. Calmon de. Comentários, vol. III, 6ª. edição revista e atualizada, Forense, 1989, pp. 208 e 209.
10 Os arts. 283 e 284 mencionados no acórdão correspondem aos arts. 320 e 321 do CPC/15.
11 Art. 396. O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa que se encontre em seu poder.
Imagem: Arte Migalhas