Imagine-se a situação em que, com o fim da vida em comum, um dos consortes experimente redução drástica no padrão de vida, seja em razão da dependência financeira com relação ao parceiro, seja por não fazer jus à meação. Foi diante desse contexto que se originou a possibilidade de fixação de parcelas indenizatórias, denominadas “alimentos compensatórios”, como forma de restabelecer o equilíbrio econômico entre os consortes com o divórcio ou o término da união estável.
Decorrente do princípio da solidariedade e do dever de mútua assistência, a fixação de pensão alimentícia em favor de um dos consortes, que passe a enfrentar penúria financeira após o divórcio ou do fim da união estável, consolidou-se na jurisprudência pátria, embora com algumas inovações, dentre as quais a previsão de prazo máximo, considerado o período razoável para que o alimentado reingresse no mercado de trabalho e se reorganize economicamente, a fim de prover sua própria subsistência.
A despeito de tais inovações, não se pode perder de vista que a responsabilidade mútua entre os cônjuges advém de obrigação legal e inafastável, proveniente do vínculo conjugal – seja por força do casamento, seja em razão da constatação de união estável.
Sob esta perspectiva, à luz do princípio da solidariedade e do dever de mútua assistência, uma nova tese despontou nos tribunais pátrios, por efeito das inúmeras ponderações doutrinárias que se debruçam sobre os diferentes cenários das relações familiares: a possibilidade de determinação do pagamento de alimentos compensatórios.
Os alimentos compensatórios, diferentemente da pensão alimentícia, não possuem natureza alimentar, isto é, não têm como finalidade a manutenção do sustento de um dos consortes. Com efeito, os alimentos compensatórios têm caráter indenizatório e visam a promover a adequação de eventuais diferenças financeiro-econômicas experimentadas por um dos consortes por ocasião do desequilíbrio econômico após o divórcio ou fim da união estável.
A esse respeito, Maria Berenice Dias esclarece que os alimentos compensatórios baseiam-se no princípio da equidade, que figura como esteio do princípio da solidariedade, e têm como meta, ao fim e ao cabo, o ressarcimento do desequilíbrio econômico ocasionado pela ruptura da vida a dois. Confira-se, na íntegra:
Por isso os alimentos compensatórios podem ser considerados como uma indenização pela perda da chance experimentada por um dos cônjuges durante o casamento. Assim, cabe ser ressarcido o desequilíbrio econômico ocasionado pela ruptura da vida, atentando-se ao princípio da equidade que serve de base ao dever de solidariedade.
É de ver que a justificativa para estipulação dos alimentos compensatórios é, precisamente, a diminuição do padrão de vida após o divórcio, não a necessidade de auxílio para subsistência.
À vista disso, importa mencionar que não há falar em iniquidade da medida: veja-se, ilustra tal cenário a hipótese em que um dos consortes deixa o mercado de trabalho para dedicar-se exclusivamente ao lar ou aos filhos do casal. É incontestável que o cuidado integral de um dos consortes com o lar e os filhos oportuniza ao outro atenção indispensável à profissão e carreira. Tal circunstância não pode ser afastada quando do fim da vida em comum.
O mesmo se verifica em situações em que, ainda que o regime de bens fosse o de separação convencional, um dos consortes contribuiu para a expressão dos rendimentos do outro, como bem relatado por Rolf Madaleno (apud DIAS), cuja conclusão merece ser repetida:
Mesmo que o credor de alimentos compensatórios trabalhe e gere renda própria, insuficiente, no entanto, para a mantença do seu padrão econômico conjugal, perdido em decorrência do divórcio (principalmente se foi casado pelo regime da separação convencional de bens, e com mais razão ainda, se permaneceu ocupado com as tarefas caseiras), perdeu a chance de investir em seu próprio capital humano. Assim, os alimentos compensatórios cobrirão seus prejuízos com a periódica prestação pecuniária, como dívida moral que em nada aumentará sua riqueza econômica, mas tratará somente de substituir a perda sofrida.
Nessa vereda de raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão paradigma, fixou os requisitos indispensáveis para determinação, no caso concreto, da obrigatoriedade das prestações compensatórias:
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. SEPARAÇÃO JUDICIAL. PENSÃO ALIMENTÍCIA. BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. ART. 1.694 DO CC/2002. TERMO FINAL. ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS (PRESTAÇÃO COMPENSATÓRIA). POSSIBILIDADE. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CÔNJUGES. JULGAMENTO EXTRA PETITA NÃO CONFIGURADO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO DEMONSTRADA.
5. Os chamados alimentos compensatórios, ou prestação compensatória, não têm por finalidade suprir as necessidades de subsistência do credor, tal como ocorre com a pensão alimentícia regulada pelo art. 1.694 do CC/2002, senão corrigir ou atenuar grave desequilíbrio econômico-financeiro ou abrupta alteração do padrão de vida do cônjuge desprovido de bens e de meação.
6. Os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem, em regra, ser fixados com termo certo, assegurando-se ao alimentando tempo hábil para sua inserção, recolocação ou progressão no mercado de trabalho, que lhe possibilite manter, pelas próprias forças, o status social similar ao período do relacionamento.
A fixação de alimentos compensatórios, portanto, submete-se a dois requisitos: o grave desequilíbrio econômico-financeiro ou a abrupta alteração no padrão de vida do cônjuge desprovido de bens e de meação. Frise-se que tais requisitos não são cumulativos e estampam circunstâncias distintas, partindo-se, no entanto, do mesmo pressuposto, qual seja a assimetria financeira.
Outrossim, por não se tratar de parcela de natureza alimentar, os alimentos compensatórios não estão adstritos ao trinômio necessidade – possibilidade – proporcionalidade, isto é, uma vez que sua finalidade é reequilibrar eventuais diferenças financeiras ao fim do casamento ou da união estável, ainda que o alimentando possua fonte de renda que lhe possibilite seu próprio sustento, fará jus ao recebimento das prestações compensatórias até que seja reequilibrado o padrão econômico-financeiro entre ambos os consortes e a revisão de tal encargo somente se dará em razão da teoria da imprevisão, isto é, se, diante de acontecimentos imprevistos e alheios à vontade das partes, a possibilidade econômica do alimentante for piorada.
Lado outro, também não se confundem com os alimentos provisórios, que são fixados quando os bens pertencentes ao casal ficam sob a administração de apenas um dos cônjuges até a ultimação da partilha. Significa dizer que, muito embora ambos tenham natureza indenizatória, a previsão de alimentos provisórios corresponde à contrapartida pelo recebimento de renda decorrente dos bens comuns por somente um dos consortes, do que depende o regime de bens estabelecido da união.
Vistos sob este ângulo, os alimentos compensatórios serão devidos independentemente do regime de bens, porquanto consequência da necessidade de restabelecimento do padrão de vida, como exposto nos estudos acerca do instituto, empreendidos por Maria Berenice Dias:
Este vínculo de solidariedade existe não só entre os cônjuges, mas também entre os companheiros (CC 265). Produzindo o fim da vida em comum entre o casal, em comparação com o padrão de vida de que desfrutava a família, cabível a fixação de alimentos compensatórios. O cônjuge ou companheiro mais afortunado deve garantir ao ex-consorte que se reequilibre economicamente.
Esclarecidas as hipóteses diante das quais faz-se necessária e adequada a postulação e fixação dos alimentos compensatórios, nota-se que, no caso concreto, o seu pagamento pode ser realizado de forma única ou em parcelamentos e pode mesmo ser requirido a título de antecipação de tutela – sem que seja confundido com os alimentos provisórios ou transitórios.
Dito dessa forma, os alimentos compensatórios, como resultado dos esforços doutrinários em entender as relações familiares e amoldar as providências jurisdicionais às necessidades decorrentes, por vezes, de aspectos de desigualdade cultural e social, têm o condão de conceber o equilíbrio econômico e financeiro atingido com o fim da vida em comum e perfectibilizar o princípio da equidade, amparado na solidariedade conjugal.
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Alimentos sem culpa – Maria Berenice Dias
Dias, Maria Berenice – Manual de direito das famílias [livro eletrônico]/ Maria Berenice Dias – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
REsp 1290313/AL, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 07/11/2014.
Imagem: Arte Migalhas