Cabe barganha para relações de direito do consumidor?

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp

Coase expõe, em apertada síntese, que os sujeitos, quando seus custos de transação são nulos, hão de aceitar qualquer acordo que seja mutuamente benéfico. Esse entendimento é amplamente utilizado pelos mais liberais e fiéis da Análise Econômica do Direito (Law & Economics), como uma motivação para diminuição da intervenção estatal em determinados setores, em especial em matéria de direito regulatório.

A premissa, defendida por esses liberais, é de que a autonomia privada é, per si, suficiente para dirimir eventuais conflitos oriundos das atividades econômicas, uma vez que essas externalidades seriam objeto de barganha; esta, por sua vez, apta a encontrar o ponto-ótimo para ambas as partes, sem a necessidade de o Estado ter de atuar nesse processo. A consequência seria a maior satisfação de todos envolvidos: dos sujeitos, porque em acordo, e do Estado, porque em economia dos eventuais dispêndios que adviriam da composição dessa disputa.

Esses custos, antecipados por Coase, para o Estado, são basicamente dois: o de natureza regulatória, e, portanto incumbido à Administração Pública, e o de natureza judiciária, pelos custos inerentes à composição das lides.

A recente proposta da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), consiste na utilização de uma plataforma já existente, o Consumidor.gov.br, como uma epítrope ao acionamento do Judiciário para resolução de conflitos consumeristas. Explica-se: o autor de uma demanda dessa natureza teria de procurar resolver seu conflito naquela plataforma on-line, para – tão-somente diante de seu fracasso – a provocação feita ao Judiciário proceder ordinariamente, sendo inclusive inserida na interface do Processo Judicial Eletrônico (PJE).

A despeito das discussões ensejadas no sentido da criação de uma condição da ação não prevista no Código, que, por conseguinte, criaria uma barreira imprevista para o acesso à jurisdição, de natureza constitucional; as questões aqui apontadas são de natureza econômica, e de que maneira as barganhas, preconizadas por Coase, podem sofrer óbices quando em vista das relações de direito de consumo.

Para que haja ponto-ótimo na barganha, é imperativo que os negociantes estejam em condições minimamente equivalentes entre si. Isso ocorre quando há (i) uma alocação inicial de renda e riqueza, (ii) uma alocação definida dos direitos de propriedade, (iii) custos de transação nulos, (iv) as informações disponíveis sejam completas.

É precisamente nesse último critério que compreende uma celeuma. Isso porque a indisponibilidade de informações completas a todos os sujeitos barganhantes culmina no problema econômico denominado assimetria informacional. Ela consiste na tendência das partes de exagerarem suas vantagens ou custos envolvidos, diante da assimetria na percepção das informações essenciais às partes.

Isto é, não há ponto-ótimo ou benéfico a ambas as partes, se uma delas encontra-se em situação desvantajosa em relação à outra. Isso porque essa disparidade informacional não permite o engajamento de negociações aos moldes estipulados por Coase, independentemente dos custos de transação envolvidos.

À luz do exposto, é posicionamento pacífico na doutrina que as relações de consumo cingem-se de disparidades que a elas são inerentes. Trata-se da vulnerabilidade e da hipossuficiência do consumidor com relação ao fornecedor, dada a posição desvantajosa que aquele primeiro ocupa.

Essa desvantagem, não obstante dever ser mensurada em face do caso concreto, impõe uma barreira precípua às barganhas propostas por Coase: é uma relação essencialmente calcada pela assimetria de informação. Dessa forma, não haveria falar em análise de benefícios mútuos ou custos avaliados, mas precisamente de um problema vislumbrado pelo próprio Coase.

É evidente que o Poder Público buscou diminuir as demandas ao já hiperdilatado Judiciário, com a interposição da interface Consumidor.gov.br ao PJE. Contudo, há de ser observar os direitos subjetivos envolvidos na demanda. A cautela merecida implica o vislumbre de uma mitigação de direitos chancelada pelo próprio Judiciário, sob a égide da autonomia privada e diminuição da intervenção do Estado.

—————————-

1 COASE, R. H. The problem of social cost. Journal of law and economics, Chicago, p.1-44, out. 1960.

2 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. Volume único. São Paulo: Editora Método, 2012.

Imagem: Arte Migalhas